o texto, o corpo, a casa
2~ cartier-bresson. matisse e seus passarinho. pina bausch. tudo está escrito. restaurantes e as comidas com afeto. indicações da terapia. a casa viva na gente. péricles feat. paramore. links
sobre a captura de fragmentos de vida e a coleta dos segundos que são para sempre, bresson manda:
‘‘adoro os rostos, seu conteúdo, pois tudo está escrito neles… antes de mais nada, sou um repórter. mas também algo um pouco mais profundo que isso. minhas fotos são meu diário. elas refletem o caráter universal da natureza humana.’’
cartier-bresson: o olhar do século (pág. 200, ed. l&pm pocket - 2013), de pierre assouline.
os processos invisíveis
meu primeiro contato com ele foi na faculdade. cadeira de fotografia do primeiro semestre: te fazem criar uma câmara escura com uma lata de leite, um prego e cartolina preta.
no livro cartier-bresson: o olhar do século, pierre assouline faz um raio-x do que foi o fotógrafo francês na história, tendo em vista que bresson - e a magnum, agência co-fundada por ele pelos anos 1930’s - é responsável por algumas fotos que marcaram a humanidade.
há 10 anos, no complexo da maré (RJ), fotógrafos fizeram um ensaio com crianças da comunidade, protagonistas numa releitura de algumas das fotos mais famosas de cartier-bresson.
num momento de sua carreira, durante a segunda guerra, foi perseguido e preso pelos alemães e depois perseguido de novo (porque fugiu). enquanto fugitivo, vivendo com outra identidade, foi incumbido de fotografar pintores e escritores da época para um material impresso. alguns, durante seus processos criativos.
um deles foi matisse, que não gostava de ser fotografado. mas tá aí, eternizado, segurando seus pombo. tudo por causa de bresson.
‘’quando tira uma foto, seu gesto é tão furtivo e silencioso quanto o espirro do homem invisível. quando esquece que é um personagem, matisse não posa mais, é ele mesmo, com um lápis numa mão, uma pomba na outra, ausentando-se do resto do mundo. é esse exato instante que o fotógrafo escolhe para captar o indizível olhar trocado entre o homem e o animal.‘’
pág. 162, ed. l&pm pocket - 2013, de pierre assouline.
o fotógrafo francês dizia que tirava fotos porque nem todas as coisas que existem podem ser colocadas em palavras, e que, em outra situação, teria sido escritor. mas através do seu trabalho a gente também enxerga a palavra. tem texto em todo canto em todo canto tem texto.
e enquanto coletava uns links, me deparei com um específico:
alemã, pina bausch foi uma coreógrafa, dançarina e diretora de balé. não a conhecia, e agora posso estar um pouco obcecado. fui dar uma youtubada e me encantei com tudo: da montagem às coreografias, da direção de arte ao som do corpo em colisão durante as performances.
existe também um documentário/musical biográfico chamado ‘PINA’, de 2011, dirigido por wim wenders.
‘’não me preocupo em como meus dançarinos se movimentam, mas com o que move meus dançarinos.’’ assim que, em conjunto com sua equipe (dançarinos/as, atores, atrizes e essa galera toda), ela criava, a partir da vida de cada um deles, a história que seria ilustrada pelos seus próprios corpos sobre o palco.
é aqui que tá o negócio. independente da manifestação artística, seja ela feita de carne seja ela feita de papel fotográfico, histórias estão sendo contadas em todos os lugares.
comida com afeto
o nicho de mercado em que você paga salgado pra viver a experiência de comer, beber e existir num ambiente repleto de amor, carinho e afeto.
aqui em fortaleza é só o que tem. a arquitetura do negócio é quase sempre assim: uma casa simples, com uns itens rústicos, algumas menções à cultura popular brasileira e outras coisas que tão ali, na localização da foto conceitual pro insta. e é sobre isso e tá tudo bem, eu também sou alvo, eu também passo por isso.
são os cantinhos simples localizados quase sempre em bairros nobres. entre uns vinis tropicalistas e plantas trepadeiras e as cadeiras de praia bem dispostas entre tudo isso, tem um atendimento meio bosta, às vezes péssimo; funcionários com jornada de trabalho corrosiva, mal pagos e, aqui e ali, alvos de assédio moral.
mas ei… comida com afeto, tá?!
esses dias uma pessoa da literatura, aqui de fortal, escreveu a legenda ''simplicidade'' num post em um restaurante que cobra quase duzentos reais em um dos poucos pratos vegetarianos da casa.
e a casinha (os diminutivos são comuns e fazem parte da facada) tá aberta e cobrando a sua alma pra empurrar na sua goela todo o afeto do mundo inteiro.
e sim, gente, vai quem quer, né?! tô reclamando porque sou chato (mas sou boa companhia juro).
a casa: organismo vivo
o quote acima é do filme cearense inferninho (2018), indicação de L., minha terapeuta. foi na última sessão que ela disse estar lendo meu quintal é maior do que o mundo, do manoel de barros, e que lembrou de mim. e depois ficou sabendo que esse é um dos meus livros favoritos da vida inteira.
a relação dupla dentro de cada um de nós é algo muito presente por aqui. depois de adulto (e não sem ajuda de L.), percebi que não vivi a infância que acreditava ter vivido até pouco tempo atrás.
numa dessas ela também me disse pra segurar a mão dessa criança.
mais uma vez depois de adulto, e com ajuda de muita terapia, comecei a entender melhor minha relação com a casa em que vivo desde que nasci. meu interesse é para além do cenário das histórias e vidas que passaram por ela: a casa enquanto organismo vivo me desperta curiosidade.
acho que o quintal onde a gente brincou é maior
do que a cidade. a gente só descobre isso depois de
grande. a gente descobre que o tamanho das coisas
há que ser medido pela intimidade que temos com as coisas.
há de ser como acontece com o amor. assim,
as pedrinhas do nosso quintal são sempre maiores do
que as outras pedras do mundo. justo pelo motivo da
intimidade. mas o que eu queria dizer sobre o nosso
quintal é outra coisa […]trecho do poema achadouros, do livro ‘meu quintal é maior do que o mundo’.
na minha cabeça eu sou parte da minha casa. parte física, além da espiritual. L. me devolveu ao livro que tanto gosto pra me fazer lembrar do meu quintal como uma floresta fechada, nos flashes de quase 25 anos atrás, onde eu me embrenhava no meio achando tudo muito grande.
além de ainda querer ser uma beyblade (é nóis heitor b.), daquela época a outra coisa que ficou foi um banco de mármore, preservado até hoje. ficava lá no fim do quintal. mas, há poucos dias, o trouxe pra mais perto da casa. e bastaram esses metros pra ensaiar saudade em mim.
desvendando a casa, deslocando seus objetos, desconfiguro seu interior para reconfigurar nossa relação. descubro formas de iluminar meus processos pensando sobre o local em que vivo desde que vivo.
e aí lembro daqueles filmes tipo indiana jones e jurassic park. porque me encantava demais aquela galera de pincelzinho na mão, mexendo em poeira, vindos de muito longe pra escavar quantas pedras e encontrar seja lá o que procurassem.
achava o máximo da curiosidade, você dedicar o corpo todo pra desvendar coisas. e agora sei que escrever também é isso, também é com o corpo todo. e percebi que gosto de aprender porque gosto de decifrar.
links que abalaram meu frágil mundinho e podem abalar o seu:
péricles feat. paramore muito bom.
vulcão nas ilhas canárias mostra sinais de atividade e põe regiões banhadas pelo atlântico em alerta. quem é cearense e assistia joão inácio show já espera essa tsunami há 16 anos.
legal o vestido da senadora norte-americana alexandria ocasio-cortez no baile da vogue/met gala. mas o ambiente em que foi festejado me causou estranheza. depois, dúvida: o que esperar de um discurso anticapitalista num ambiente cheio de milionários/bilionários? pensando alto, não me surpreenderia se alguma empresa de camisetas cool para jovens adultos aparecesse amanhã com uma estampa seja anticapitalisa gostoso demais.
se você também procura pelo celular com ele na mão saiba que distraídos venceremos.